HISTÓRIA, IDENTIDADE ÉTNICA E EXCLUSÃO SOCIAL NA REGIÃO DE SANTA CRUZ DO SUL (RS - BRASIL) *** Artigos opinativos e outros comentários selecionados pelo autor *** IURI J. AZEREDO

25 de out. de 2008

Polêmica sobre o hino municipal

Algumas referências sobre a história da mobilização questionando o hino santa-cruzense no ano de 2001.


BREVE HISTÓRICO DO DESDOBRAMENTO DA POLÊMICA ENVOLVENDO O HINO MUNICIPAL DE SANTA CRUZ DO SUL - 2001

A partir de conversas informais entre diversas pessoas, resolvermos (ou seja, um grupo formado por professores e militantes sociais resolveu) iniciar um debate mais organizado e de caráter público sobre o hino do município no ano de 2001, visto a avaliação de que o mesmo possui um conteúdo que exclui às outras etnias da construção do município, podendo ser uma fonte “oficial” de posturas racistas, conforme levanta os textos abaixo.

Já realizamos diversos encontros (com registro em ata e lista de presença) abertos para debater o assunto. O objetivo dos encontros é promover uma grande discussão na cidade sobre racismo e as formas de promovê-lo através de “símbolos oficiais”, caso do hino, entre outros. A participação foi, em termos, pequena, porém qualificada e diversa, entre “acusadores” e “defensores” do hino. Professores, membros de associações (inclusive de cultivo de “tradições germânicas”), ativistas de movimentos sociais, do movimento negro, servidores públicos etc. se fizeram presente.

Entre o primeiro e segundo debate – para marcar a passagem do dia 13/05 – o pessoal do grupo realizou o Fórum de Reflexão “13 de Maio: Abolição?”, que, através de filmes e documentários, propiciou um debate sobre vários aspectos da discriminação racial em Santa Cruz do Sul – incluindo o hino municipal – e em todo Brasil e mundo.

Já no dia 29 de maio último, o grupo (pessoal da organização e apoio aos eventos) fez uma avaliação dos trabalhos com a presença do secretário executivo do CODENE, Betinho, “oficializando” o coletivo com a denominação de Coletivo de Estudos e Debates Etnoculturais de Santa Cruz do Sul – CEDECS. O grupo já vinha pesquisando e apresentando diversos dados bibliográficos e estudos que colocam a importância de realizar este debate sobre os “mecanismos sutis da segregação racial”, inclusive comparando o hino santa-cruzense com outros de municípios vizinhos, onde não há exaltação de somente uma etnia ou não são mencionadas em específico.

Ocorre que está havendo uma grande repercussão a partir do questionamento levantado, com manifestações pela imprensa que tentam desqualificar o debate e reafirmar a “justeza” do hino local por sua conformidade com a “história real de Santa Cruz” – tese essa que temos sistematicamente confrontado, trazendo relatos históricos que desmentem esta mistificação em torno das “origens” do município. A abrangência da celeuma – com todas as distorções imagináveis – foi (está sendo) maior do que esperávamos, chegando até aos veículos da RBS (Zero Hora, TV, rádios, ClicRBS – onde o hino ficou disponível para quem quisesse escutá-lo) e na Folha de São Paulo, que publicou uma reportagem sobre o assunto no dia 27/05.

No dia 9 de junho estivemos no bairro Bom Jesus promovendo o “3º Encontro de Debate sobe o Hino de Santa Cruz do Sul” (ver abaixo em Nota Pública).

Os membros do CEDECS continuam [em 2001] mobilizados, pesquisando e reunindo-se. Elaboramos uma Lista de Apoio, para quem quiser manifestar favorável ao debate instalado em Santa Cruz do Sul.

Um apanhado de livros sobre a história do município está em andamento, com seleção de trechos destacando a presença e a importância de outras etnias além da alemã, buscando subsidiar um debate que faça contraponto a versão de que “foram os alemães sozinhos que fizeram Santa Cruz”.

Participação em eventos comunitários e na imprensa estão acontecendo esporadicamente, embora a “grande mídia” local excluiu de sua pauta o “assunto hino”. Entretanto, no último dia 18 de junho entrou no site de notícias São Paulo – www. no.com.br – uma reportagem bem interessante sobre a “polêmica”, onde há declarações, entre outras, de professores da UNISC e UFSM; na continuação da reportagem, há também uma referência à “polêmica da bandeira sulista” nos EUA, especialmente do Mississippi. Também no dia 26/06 a TV Bandeirantes em Porto Alegre fez uma reportagem sobre o assunto, veiculando-a no telejornal local na mesma noite. A rádio Gaúcha está preparando uma matéria, tendo entrevistado alguns membros do CEDECS.

Em reunião do CEDECS no dia 24 de julho, decidiu-se “inaugurar” uma nova etapa do grupo, com ampliação do foco das discussões, envolvendo questões como identidade social, gênero e sexualidade. Haverá uma série de reuniões abertas à comunidade com o título geral de “Encontro de Estudos e Debates Étnico-Culturais de Santa cruz do Sul”. O primeiro deste encontro foi no dia 11 de setembro, com o tema “a identidade negra em zonas de imigração alemã”, com o palestrante professor Jair Pereira, pesquisador e militante do Movimento Negro de Venâncio Aires. Seguiram-se mais dois encontros, o último abordando a questão indígena.


RELEASE 01

Debate sobre o hino de Santa Cruz prossegue

O grupo que está debatendo a questão racial envolvendo o Hino de Santa Cruz do Sul e outros símbolos da municipalidade fará o seu segundo encontro no próximo dia 22 de maio, terça-feira, às 19h, na sala de reuniões da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social/Sistema Nacional de Emprego no Rio Grande do Sul (FGTAS/SINE-RS) – Av. João Pessoa, 13, portão C.

Conforme uma das coordenadoras do grupo, Sônia Soares, membro do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul (CODENE), o objetivo dos encontros é ampliar o debate em torno de “formas oficiais, quase imperceptíveis, de reforçar a exclusão racial”, colhendo mais informações e opiniões de diversos segmentos, incluindo professores, historiadores, políticos e ativistas de movimentos sociais e da população negra.

Maiores informações podem ser obtidas pelo fone XXXX. A organização do grupo tem o apoio da 20ª Coordenadoria Regional da Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social do Rio Grade do Sul, Divisão da Criança e do Adolescente e FGTAS/SINE-RS em Santa Cruz do Sul. – Distribuído em 17/05/2001.


RELEASE 02

Debate sobre o hino é ampliado e vai aos bairros

Em reunião no último dia 29 de maio de 2001, os organizadores do debate sobre a questão racial envolvendo o hino de Santa Cruz do Sul e outros símbolos da municipalidade definiram o prosseguimento dos encontros abertos à comunidade. A terceira edição do evento – 3º Encontro de Debate sobre o Hino de Santa Cruz do Sul – será no Ginásio Municipal do bairro Bom Jesus (rua Pe. Luis Müller), no dia 9 de junho, sábado, a partir das 14h.

Estarão presentes, entre outras representações, a diretoria executiva do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul (CODENE), além de estudiosos e ativistas de diversos movimentos contra a discriminação racial do Estado. O objetivo, segundo os organizadores, é “ampliar e amadurecer o debate sobre o hino santa-cruzense, trazendo informações sobre a história do município e a discussão sobre a participação de outras etnias na construção de Santa Cruz do Sul num contexto mundial de luta contra a exclusão social de origem étnica”. Do encontro poderão sair propostas para encaminhar uma ação mais efetiva em relação à mudança da composição oficializada em 1963.

Para participar do 3º Encontro de Debate sobre o Hino de Santa Cruz do Sul não é preciso fazer inscrição prévia. Maiores informações podem ser obtidas pelo fone (51) 3713-1885. A realização do evento está a cargo do recém fundado Coletivo de Estudos e Debates Etnoculurais de Santa Cruz do Sul – CEDECS, com o apoio de diversas entidades e movimentos sociais, entre elas a 20ª Coordenadoria Regional da STCAS e as coordenadorias da FGTAS/SINE e Divisão da Criança e do Adolescente em Santa Cruz do Sul.

COLETIVO – Na mesma reunião do dia 29 de maio que definiu a continuidade dos debates sobre o hino santa-cruzense, houve a formalização do grupo que promoveu os dois encontros anteriores e um fórum sobre questões raciais em 13 de maio passado, recebendo a denominação de Coletivo de Estudos e Debates Etnoculurais de Santa Cruz do Sul – CEDECS. Aberto a todos os interessados, o coletivo está atualmente formado por militantes de diversos movimentos sociais e estudiosos, tendo como objetivo, conforme está registrado na proposta de criação do órgão, “buscar informações, problematizar e levar à comunidade em Santa Cruz do Sul e região reflexões acerca da discriminação racial, engajando-se numa luta histórica maior pelo resgate da dignidade, da auto-estima, das características culturais próprias, do poder político e econômico em todas as instâncias do Brasil do povo oprimido, em especial os afrobrasileiros, índios, mestiços e outros, englobados na grande raça humana”.

A proposta do CEDECS é reunir-se pelo menos uma vez a cada mês, além de promover ou apoiar eventos que busquem ampliar a pesquisa e a discussão comunitária sobre os assuntos etnoculturais em Santa Cruz do Sul e região. Informações sobre as atividades do CEDECS podem ser obtidas pelo fone XXXXXX. – Distribuído em 05/06/2001.



ARTIGO

UM NOVO HINO MUNICIPAL*

Como se sente uma criança afro-descendente santa-cruzense ao aprender e ter de cantar o hino municipal em alguma cerimônia? Muitas, provavelmente, nem notarão a mensagem que louva o “loiro imigrante” e a “bravura alemã” sem jamais se referir aos negros – e, da mesma forma, aos portugueses, índios e outros povos (inclusive de outros países da Europa) que também habitaram (e habitam) e constituíram (e constituem) o município de Santa Cruz do Sul.

Claro: temos que entender a época e o contexto em que o hino foi composto. A visão crítica da história e da criação de mitos que sustentam determinadas estruturas sociais simplesmente não existiam ou então não eram disseminadas como hoje o são. Ocorre que não há mais motivos para a manutenção de símbolos que não traduzem nem condizem com a realidade, e que apenas reforçam estereótipos e preconceitos desagregadores, frutos, como já disse, de uma historiografia distorcida, parcial e ufanista.

Sugiro, assim, uma ampla discussão desse assunto em nossa comunidade, especialmente nas escolas. Por que não pensarmos em um novo hino para Santa Cruz do Sul? Um hino que os meninos e as meninas de pele escura e sem sobrenomes germânicos possam se orgulhar de ouvir e cantar, se sentindo incluídos na letra e na música, valorizando seus antepassados, sua cultura própria, a luta e o sofrimento do seu povo, na busca de um município próspero, justo, democrático e sem mitificações que acabam por reproduzir o racismo e a exclusão social.

*Primeiro texto que saiu na imprensa sobre o assunto.


ARTIGO 2

ALÉM DO HINO, OUTROS NOVOS SÍMBOLOS

Além do hino municipal, com seu conteúdo que exclui da construção de Santa Cruz do Sul as outras etnias, fixando-se unicamente na “bravura alemã” (a qual, sem dúvida, foi verdadeira e importante), há outros símbolos que reforçam a idéia de que o nosso município é fruto apenas do “loiro imigrante”, como diz a letra oficializada em 1963.

O Monumento ao Imigrante é um exemplo. Lá está o colono – “obviamente” de origem germânica – com o seu machado e postura varonil, “trazendo a civilização” para Santa Cruz do Sul através do árduo trabalho. Certo! Mas onde está representado o trabalho dos negros e dos descendentes lusos (sem falar de outras etnias e do papel das mulheres nisso tudo)? Eles (e elas) têm algum monumento significativo? De novo estamos diante de parcialidades e simplificações históricas, que dão um papel exclusivista aos imigrantes alemães e seus descendentes no município.

Assim poderíamos falar também do Parque da Oktoberfest, do brasão da municipalidade, da bandeira de Santa Cruz do Sul, etc. Tais eventos e objetos simbólicos podem estar produzindo há muitos anos uma idéia (falsa, conforme diversas fontes históricas) aos “não-alemães” de que eles não fazem parte – nem nunca fizeram – da história do município.

Por que não criarmos uma Avenida da Integração dos Povos, a Rua do Trabalhador Negro, a Praça dos Luso-brasileiros, etc? Por que não promovermos a Multietnofest e construirmos um edifício com o nome de Residencial Zumbi dos Palmares? Enfim, homenagear igualmente a todas as culturas e raças. Porque todos os povos têm o seu valor, sua dignidade, tanto no passado, quanto hoje em dia. Santa Cruz do Sul é de todos nós, sem preconceitos raciais, sem discriminações negativas, e sim com ações propositivas e concretas pelo resgate social dos excluídos!

*Publicado em 17 de maio de 2001



NOTA PÚBLICA

Em seu terceiro encontro, ocorrido no último dia 9 de junho de 2001, a partir das 14h, no ginásio municipal no Bairro Bom Jesus, com a presença de pessoas de vários movimentos e instituições da sociedade santa-cruzense e gaúcha, o grupo promotor do debate abordando o Hino Municipal de Santa Cruz do Sul e seus apoiadores concluiram e informam:

É extremamente válido o questionamento sobre a exclusão de outras etnias que não seja a germânica no hino municipal. O mesmo reforça uma visão distorcida da história, da cultura e da sociedade santa-cruzense em relação a sua formação étnica, conforme demonstram os depoimentos, reflexões e dados bibliográficos diversos já apresentadas nos três encontros promovidos pelo referido grupo - hoje denominado Coletivo de Estudos e Debates Etnoculturais de Santa Cruz do Sul (CEDECS) - e seus apoiadores.

O hino municipal, enquanto um símbolo oficial de Santa Cruz do Sul e, portanto, do seu povo, é um elemento a mais num processo maior de exclusão social. Seu questionamento se soma a outras tantas lutas pelo fim do preconceito racial em Santa Cruz do Sul e em todo o país e mundo.

O debate deve continuar, aprofundando e expandindo por todo o município, estando aberto a participação de todo cidadão e cidadã. Para isso, será feito um roteiro de continuidade dos encontros e reuniões, envolvendo os diversos bairros, localidades e entidades de Santa Cruz do Sul.

Também estará circulando nos próximos dias uma Lista de Apoio para quem quiser manifestar-se favoravelmente ao debate sobre o hino, o questionamento da sua pertinência histórica e simbólica diante da realidade de Santa Cruz do Sul, bem como outros assuntos envolvendo a presença de múltiplas etnias no município, suas contribuições e problemáticas, na busca de um mundo mais solidário, sem racismo.

Mais informações podem ser obtidas junto ao CEDECS, através do fone XXXXXX.

Santa Cruz do Sul, 09 de junho de 2001.


LISTA DE APOIO

Pelo Questionamento e Debate Público do Hino de Santa Cruz do Sul e de Outros Assuntos Envolvendo a Presença de Múltiplas Etnias no Município (cabeçalho)

Nós, abaixo indicados, sem objetivo de ferir pessoa, etnia ou instituição alguma, apoiamos o debate envolvendo a letra do Hino de Santa Cruz do Sul e outros assuntos referentes a presença de múltiplas etnias e culturas no município e suas diversas contribuições e problemáticas. Em relação ao hino santa-cruzense, o debate é pertinente, pois o mesmo não contempla e, conseqüentemente, exclui outras etnias que não seja a germânica na história, na cultura e na sociedade local, merecendo assim a atenção de toda a população e de cada uma das pessoas interessadas em romper com equívocos históricos e preconceitos de ordem racial e cultural presentes em "homenagens oficiais" - caso do hino -, buscando ajudar a construir, através da reflexão, do estudo e do debate aberto e democrático, um mundo socialmente mais justo e solidário.

Santa Cruz do Sul, 13 de junho de 2001. (NOME – ASSINATURA – ATUAÇÃO)

***Documento atualizado em 11/07/2001

[O CEDECS mencionado acima veio a resultar no GT-Afro, Grupo de Trabalho pela Promoção da Comunidade Negra em Santa Cruz do Sul, atuante até hoje – outubro de 2008.]

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