HISTÓRIA, IDENTIDADE ÉTNICA E EXCLUSÃO SOCIAL NA REGIÃO DE SANTA CRUZ DO SUL (RS - BRASIL) *** Artigos opinativos e outros comentários selecionados pelo autor *** IURI J. AZEREDO

25 de out. de 2008

CEDECS: definição, propostas, ações etc.

BREVE HISTÓRICO E DIRETRIZES BÁSICAS DO COLETIVO DE ESTUDOS E DEBATES ÉTNICO-CULTURAIS DE SANTA CRUZ DO SUL – CEDECS*

Para prosseguir com as reflexões e movimentos em relação ao hino municipal de Santa Cruz do Sul e outras formas de fomento à discriminação racial, iniciados no mês de abril de 2001, conforme diversos registros – inclusive na imprensa – foi formalizada a existência do grupo que estava à frente da promoção daqueles diversos eventos, como os debates públicos sobre o hino santa-cruzense e o fórum de reflexão em 13 de maio de 2001. Assim sendo, foi aprovada a criação de uma denominação e diretrizes básicas para o funcionamento das atividades do agrupamento.

A denominação ficou estabelecida como: Coletivo de Estudos e Debates Étnico-Culturais de Santa Cruz do Sul*, com a sigla CEDECS.

Tal denominação contempla o objetivo primeiro do grupo, ou seja, buscar informações, problematizar e levar à comunidade reflexões acerca da discriminação racial e outras, engajando-se numa luta histórica maior pelo resgate da dignidade, da auto-estima, das características culturais próprias, do poder político e econômico em todas as instâncias do Brasil do povo oprimido, em especial os afro-descendentes, índios e outros segmentos englobados na grande “raça humana”.

O CEDECS não tem vínculos partidários e religiosos, portanto é uma organização autônoma, buscando manter reuniões e outros encontros periódicos, além de promover ou apoiar eventos que ampliem o estudo e o debate sobre os assuntos étnicos e culturais em Santa Cruz do Sul e região.

A adesão ao CEDECS será livre, não implicando compromisso formal algum, a não ser estar disposto a estudar e debater coletivamente assuntos envolvendo as questões étnico-culturais em Santa Cruz do Sul e região.

É sugerido que a cada encontro seja eleito entre os presentes um/a coordenador/a, que ficará responsável por conduzir a reunião e encaminhar a próxima; elegendo-se também um/a secretário/a para registrar o que for abordado e deliberado. Poder-se-á formar comissões temporárias para a realização de tarefas específicas, bem como outras propostas de atuação do CEDECS.

Ficou definido também que ninguém ficará autorizado a falar em nome do CEDECS, a não ser com a expressa deliberação em reunião do coletivo.

Tais diretrizes foram acordadas em reunião na sede da FGTAS/SINE-RS de Santa Cruz do Sul no dia 29 de maio de 2001.

*Posteriormente, por uma questão de precisão e amplitude da designação, a denominação foi alterada para Coletivo de Estudos e Debates Étnicos e Culturais de Santa Cruz do Sul (ao invés de Étnico-culturais).

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Proposta para o III Encontro de Estudos e Debates Étnico-Culturais de Santa Cruz do Sul

Estamos propondo um debate sobre a Oktoberfest de Santa Cruz do Sul. Queremos fazer um exercício coletivo de lançar um olhar crítico, numa perspectiva que considere com mais profundidade os aspectos históricos e da construção da identidade social-étnica implicados nesse evento. Temos a pretensão – e este é o nosso ponto de partida – de buscar enfocar facetas da Oktoberfest que não vêm a público, submersas que estão em clichês argumentativos.

Abaixo seguem algumas problematizações que podem servir de elementos para iniciarmos uma discussão:

1 – O fato da Oktoberfest ser um empreendimento turístico-comercial já nos anuncia as suas limitações. Como aprofundar um “resgate” do passado de uma forma ampla e em toda a sua complexidade? Num ambiente de festa, de vendas, de “exaltação” não há espaço para questionamentos e consideração às tragédias e indignidades humanas. Fica-se, quase necessariamente, nos estereótipos, no “lado bom”, na parcialidade, enfim, na pasteurização da história.

2 – A Oktoberfest é uma “comemoração oficial” – é a festa máxima de “toda” a municipalidade. Porém, está vinculada a uma homenagem exclusiva de um determinado grupo étnico, reforçando o senso comum de que “Santa Cruz do Sul é um município alemão”. Onde ficam as outras etnias e pessoas de outras origens geográficas – negros, lusos, belgas, holandeses, paulistas, cearenses etc. – formadoras da comunidade ao longo do tempo? Parecem estar num plano subalterno e coadjuvante. Não se estaria produzindo um ambiente propício a noções de supremacia racial e de uma compreensão equivocada da história santa-cruzense?
A Oktoberfest parece ter tanta importância que até o local – que funciona o ano inteiro, que é ocupado para diversos fins e eventos – tem o nome de “Parque da Oktoberfest”, com suas fachadas “caracterizadas em estilo alemão”.

3 – Outra consideração que podemos levantar é o artificialismo da “tradição” que os “ideólogos” da Oktoberfest tencionam investi-la. É sabido que os imigrantes germânicos que chegaram a Santa Cruz do Sul não são os retratados na festa, pois provindos de regiões da Europa e de uma Alemanha onde nem mesmo o chopp era uma bebida tradicional, conforme diz o professor e pesquisador Jorge Cunha, doutorado na universidade de Hamburgo (ver reportagem do site no.com).

4 – Há elementos que podem nos fazer raciocinar que a Oktoberfest, além de toda a inconsistência histórica e espírito comercial, consubstancia-se também num culto à Alemanha. No cartaz da festa de 2001, por exemplo, há no alto da peça três bandeiras da atual República Federal da Alemanha. Não é a Oktoberfest de Santa Cruz do Sul um evento brasileiro? Se é uma festa “tradicional, por que vinculá-la tão explicitamente a uma Alemanha muito diferente “daquela” dos que emigraram em meados do século XIX? Não se estaria querendo buscar refúgio psicológico numa “Alemanha paradisíaca”, desprezando-se, por outro lado, a identidade brasileira e os problemas do Brasil?

5 – Como se dá o envolvimento da população santa-cruzense na “germanidade” da Oktoberfest? Em que níveis, momentos e estratos sociais isso se estabelece?

S.C.S., 08/10/2001.

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CONVITE

Prezados/as Conselheiros/as:

A história, a cultura e os problemas atuais de comunidades indígenas que residem ou transitam no Vale do Rio Pardo e Vale do Taquari serão o tema do 3º Encontro de Estudos e Debates Étnico-Culturais de Santa Cruz do Sul. O evento, que conta com o apoio da 6ª Coordenadoria Regional da Divisão da Criança e do Adolescente (STCAS-RS), acontece no próximo dia 22 de novembro, quinta-feira, às 19h30min, na sala 101 da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

A palestrante da noite será a coordenadora executiva do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI-RS), Maria Luiza Santos Soares. Aberto à participação de todos os interessados, o encontro promovido pelo Coletivo de Estudos e Debates Étnico-Culturais de Santa Cruz do Sul (Cedecs) tem a entrada franca.

Um dos objetivos dos organizadores é buscar informações e fomentar uma discussão sobre questões envolvendo crianças que acompanham grupos de índios itinerantes, permanecendo acampados em cidades como Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Lajeado, aparentemente em situações precárias. Como se trata de um cultura e de outros aspectos – inclusive legais – próprios, o entendimento e a abordagem das pessoas e dos agrupamentos indígenas precisam também ser diferenciados, sem cair na discriminação ou omissão.

Contamos com a presença de todos os conselheiros/as.

(...)

Agradecendo a atenção, colocamo-nos à disposição.


Iuri J. Azeredo
Coordenador da 6ª Coordenadoria Regional da Divisão da Criança e do Adolescente

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ESBOÇO DE PROPOSTA PARA A CRIAÇÃO DO

CENTRO (ou Núcleo) DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS DO VALE DO RIO PARDO

A região do Vale do Rio Pardo já possui diversas instituições que se ocupam em estudar a história e a cultura de determinados grupos étnicos, notadamente os de origem germânica. Ocorre que poucas, de forma organizada, sistemática e oficial, detém-se nos afro-descendentes. Isso tem produzido uma lacuna no conhecimento histórico, sociológico e antropológico no Vale do Rio Pardo a respeito da população negra, o que pode estar colaborando – ao longo do tempo e por gerações – para atitudes de menosprezo e subestimação da importância, na construção e desenvolvimento da comunidade regional, que têm a cultura e o trabalho das pessoas com raízes no continente africano.

Basta que procuremos, nas universidades da região, entre os trabalhos acadêmicos e à literatura sobre o assunto produzida localmente, para comprovarmos o que estamos dizendo. Muito pouco, senão quase nada de consistência e fôlego, se encontrará. Ao contrário, em relação aos teuto-descendentes, por exemplo, há uma multidão de pesquisas e publicações – algo que, sem dúvida, vem reforçar a posição hegemônica dos “brancos”, eurocêntrica, em termos de identidade social-étnica que prevalece no Vale do Rio Pardo, refletindo-se também no predomínio político, econômico e social que têm os descendentes de europeus na região.

Para colaborar na reversão deste quadro de “marginalidade” em diversos sentidos e setores da vida social, estamos propondo a construção do que poderia ser um Centro Regional de Estudos Afro-brasileiros do Vale do Rio Pardo.

Tal centro, estabelecendo diversas parcerias para a sua criação e manutenção, com uma gestão composta com os organismos da comunidade negra regional, teria uma ação autônoma, abarcando atividades de pesquisa e divulgação de assuntos pertinentes aos negros e negras na região, sua história, cultura, a situação social, nas instituições, no mundo do trabalho, as relações inter e intraétnicas na região etc. O centro, além de uma produção própria, feita por pesquisadores (de diversos níveis) vinculados, incentivaria trabalhos em outros espaços, caso de escolas e universidades; seminários, fóruns, encontros, jornadas também seriam momentos onde o centro estaria interagindo, na busca da divulgação, debate e apoio ao resgate da contribuição e análise da problemática envolvendo os afro-brasileiros no Vale do Rio Pardo.

Tem-se uma tarefa enorme pela frente. Os dados históricos existentes são consideráveis, mas ainda não mereceram uma recuperação, estudo, teorização e sistematização efetivas e relevantes. O foco dos estudos, da preocupação e problematização acadêmicas e em outros setores que buscam explicitar a história regional e seu desenvolvimento, como já dissemos, recai, na esmagadora maioria dos casos, sobre a ocupação e imigração européias, relegando-se – como se evidencia, ademais, pela falta de trabalhos universitários na região – um papel coadjuvante ou mesmo de inferior consideração ao povo negro (sem esquecer dos índios, outro personagem relegado ao folclore ou “objeto arqueológico”).

Portanto, o Centro Regional de Estudos Afro-brasileiros do Vale do Rio Pardo poderia ter um caráter que transcendesse o mero “tapar o vazio” em termos de produção de literatura especializada e discussões específicas sobre a descendência africana nos municípios que formam a região; teria, sobretudo, um papel fundamental na recuperação da auto-estima e da concreta valorização da contribuição dos afro-descendentes, ampliando a análise das questões sociais – o racismo em suas inúmeras, complexas e às vezes sutis discriminações negativas – que historicamente atingem milhares de negros e negras que fazem do Vale do Rio Pardo a “sua terra”, subsidiando projetos, programas e políticas públicas visando a superação dos entraves à melhoria da qualidade de vida e participação protagonistas desse povo em todos os espaço da sociedade regional.

Reforçamos que o acima exposto é uma proposta, que está posta à discussão, para a sua avaliação e aperfeiçoamento.

Santa Cruz do Sul, 08 de outubro de 2001. (Reformulada mais uma vez em março de 2002.) – Coletivo de Estudos e Debates Étnicos e Culturais de Santa Cruz do Sul (CEDECS)


Obs. 1: Ao invés de Centro, a denominação poderá ser Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros do Vale do Rio Pardo (com a possível sigla de NEAFRO).

Obs. 2: Há a indicação de propor-se a localização física do NEAFRO no que será o Centro Regional de Cultura em Rio Pardo. Como é sabido, Rio Pardo, além de núcleo originário da região do Vale do Rio Pardo e outras, foi uma localidade onde a presença da população negra é de grande significância numérica, econômica, social e cultural.


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Esboço de proposta


GT de Educadores/as e Ativistas pela Africanidade e Multiculturalismo em Santa Cruz do Sul

DEFINIÇÃO

Trata-se de um Grupo de Trabalho autônomo, englobando educadores e ativistas comunitários, tendo o objetivo de estudar e fomentar a implementação das leis municipal e federal que determinam o ensino nas escolas de conteúdos sobre História e Cultura da África e dos Afro-brasileiros.

A “africanidade” – que consta na denominação do GT – se refere, em resumo, à valorização dos elementos sócio-culturais de origem africana, tantos os do passado, ou seja, que vieram e se difundiram com os negros e negras no Brasil e o mundo, incorporando-se às características do povo brasileiro e do planeta, como o interesse e interações com a realidade dos países da África na atualidade.

Acreditamos que tal valorização histórica e interação no presente com “as coisas africanas” é muito importante para ancorar o resgate da auto-estima dos afro-descendentes.

O termo “multiculturalismo” aponta para uma visão de inclusão e “miscigenação” étnica, que respeita a diversidade humana, os encontros e as idiossincrasias culturais, mas sem hierarquizações.

INTRODUÇÃO

Desde meados dos anos 90 existe em Santa Cruz do Sul uma lei municipal que determina o ensino de conteúdos vinculados a história da África e os afro-descendentes no Brasil. Essa obrigatoriedade legal tem se mostrado, na prática, inoperante, com algumas exceções, por conta do esforço individual de alguns professores conscientes da importância de trabalhar a temática do africanismo em suas aulas.

A alegação que mais comumente se observa para o descumprimento da supracitada lei é de que “não há material didático” ou formação e orientações específicas para ministrar os conteúdos – fatores agravados ainda mais pela proposta interdisciplinar da sua aplicação no dia-a-dia escolar.

Ocorre que, recentemente, foi sancionada a Lei Federal nº 10.639, que torna obrigatório, em todas as escolas brasileiras – públicas e particulares – o conteúdo “História e Cultura Afro-brasileira”. Tal fato vem, assim, se somar, podendo transformar-se no motor para, enfim, iniciar-se uma mobilização pela efetividade da legislação já existente em Santa Cruz do Sul e, agora, reforçada em nível nacional.

Essa discussão teve início entre um pequeno grupo de professores e ativistas de organizações e movimentos comunitários durante o debate “História e Movimento Negro”, que aconteceu no dia 22 de março de 2003, na sede da Sociedade Cultural Beneficente União, em Santa Cruz do Sul, marcando no município a passagem, na data anterior (21/03), do Dia Internacional de Combate a Discriminação Racial.

IDÉIA

A idéia, pois, é montar-se um Grupo de Trabalho (GT) autônomo que amplie e aprofunde a discussão sobre a implementação das legislações mencionadas, buscando caminhos para sua efetividade.

O GT poderia ser centralizado através dos sindicatos ligados aos educadores municipais, estaduais e de estabelecimentos particulares, compondo, junto com outros órgãos estatais e comunitários – tais como: Secretaria Municipal de Educação, Coordenadoria Regional de Educação, Grupo União e Consciência Negra, Unisc, pastorais e outros movimentos – uma “força tarefa” que criasse uma mobilização e instrumentos para a efetivação do que prevê a legislação local e nacional.

JUSTIFICATIVA

Numa sociedade onde a ideologia do racismo perdura, atingindo em cheio as pessoas afro-descendentes, conforme demonstram inúmeros dados, rebaixando seus níveis de desenvolvimento humano, notadamente no campo econômico e educacional; considerando que a escola é um instrumento que tanto pode reforçar a discriminação racial como trabalhar pela sua superação, a implementação, em todas as séries/ciclos, de conteúdos abordando a História e Cultura Afro-brasileira estaria efetivamente colaborando para superar (1º) o sistemático rebaixamento da auto-estima de educandos negros e negras e (2º) a “ignorância geral” sobre a importância que têm a África, os africanos e afro-descendentes dentro da história mundial e brasileira – levando, assim, ao menosprezo da cultura de base africana e das pessoas com antepassados neste antiguíssimo, enorme e complexo continente.

OPERACIONALIZAÇÃO

Poderíamos começar pela definição de um “núcleo embrionário”, que chamaria uma reunião ampliada, onde a proposta básica seria apresentada e, então, qualificada. A partir desse momento, com o GT constituído, passar-se-ia a reuniões em dias e horários adequados.

Em termos de trabalho “concreto”, há a sugestão de realizar um diagnóstico mais aprofundado dos motivos da não-implementação da legislação municipal, ao mesmo tempo que buscando-se “mapear” as experiências locais de trabalhos em escolas com a temática da africanidade. Num segundo momento, partir-se-ia para a já aludida criação da mobilização e de outros instrumentos de fomento a concretização das leis, inclusive de caráter didático-pedagógicos.

Sub-grupos poderiam ser montados, distribuindo-se tarefas específicas.

A coordenação e outras normas básicas de funcionamento poderiam ser pactuadas já nos primeiros encontros do GT.

SCS, março/abril de 2003.

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